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Comissão detalha primeira prisão da ditadura Postado em: 28 de Julho

O GLOBO - POR MARCELO REMIGIO

26/07/2015
 
JUIZ DE FORA (MG) - Na manhã de 30 de março de 1964, o presidente do Sindicato dos Bancários de Juiz de Fora (MG), José Villani Côrtes, hoje com 86 anos, cumpria sua rotina de chegar às 7h30m à sede da Cooperativa de Consumo da categoria quando foi interpelado por militares e policiais, que o levaram à delegacia da cidade mineira. Ao chegar no local, Villani foi fichado e deixado na carceragem, tornando-se o primeiro preso político do golpe de 64, um dia antes de o movimento militar que levou o país a uma ditadura de 21 anos ser deflagado.
Villani é um dos 151 militantes políticos de Juiz de Fora que passaram por algum tipo de tortura ou violação de direitos humanos durante a ditadura e que tiveram suas histórias resgatadas pela Comissão Municipal da Verdade do município (CMV-JF). A comissão analisou documentos da Auditoria da 4ª Circunscrição Judiciária Militar, que julgava presos políticos de Minas Gerais, Rio, Goiás e da antiga Guanabara.
Constam no relatório do grupo, disponibilizado na internet, informações de mineiros de outras regiões que lutaram contra o regime, como a presidente Dilma Rousseff e o governador de Minas, Fernando Pimentel. Além de identificar que as prisões de militantes começaram bem antes do golpe, a comissão derrubou a versão de que foram raros os casos de tortura em unidades da cidade, se comparados com o total de relatos registrado no Rio, em São Paulo e em Belo Horizonte.
- A revolução não foi no dia 31 (de março de 1964), a revolução começou antes, no dia 30, quando fui preso e levado para a delegacia que ficava na Rua Alberto de Oliveira e hoje nem existe mais. Fui o primeiro a estrear a cadeia da ditadura - conta Villani, que permanece à frente da Associação dos Funcionários Aposentados do Banco do Brasil (AFABB). - Fiquei preso 11 meses após o golpe. Passei por várias unidades militares em Juiz de Fora e Belo Horizonte. Ao longo da ditadura, fui preso outras vezes - lembra o sindicalista, que relatou à comissão torturas físicas e psicológicas pela qual passou.
A prisão de Villani, segundo pesquisadores da CMV-JF, foi estratégica. Para os militares, o bancário oferecia perigo ao ocupar a posição de líder sindical influente na Zona da Mata mineira. Era ele quem mobilizava trabalhadores para comícios em apoio ao governo do então presidente João Goulart, deposto pelo golpe, liderava greves e defendia ideais socialistas. Ao levarem Villani à carceragem, os militares iniciaram uma operação para sufocar focos de resistência. Enquanto o sindicalista era preso, tropas contrárias ao governo se preparavam para ocupar postos de gasolina - que passariam a abastecer apenas carros militares -, veículos de comunicação e agências dos Correios, e evitar tentativas de mobilização de grupos de esquerda.
- Na época não entendi muito bem a minha prisão. Não sabia que oferecia tanto risco à direita. A gente sabia que ia acontecer algo, só não sabia quem iria agir primeiro, a direita integralista ou a esquerda. O clima na cidade era ruim, de desconfiança - conta Villani, que prefere não falar muito do passado: - Depois de três AVCs (acidente vascular cerebral), a gente deixa de lembrar muita coisa. Mas o relatório da comissão me fez voltar ao passado. Me fez muito mal esse trabalho. Está muito bem feito, mas essas memórias nem sempre me fazem bem.
Do período em que esteve preso, Villani pontua torturas sofridas em unidades militares de de Belo Horizonte. Na capital mineira, lembra o sindicalista, as agressões - chamadas por ele de bordoadas - eram físicas. Já em Juiz de Fora, o pior era o medo imposto pelos torturadores:
- Não sabíamos o que iria acontecer. Escutávamos tiros e gritos, não sabíamos se eram militares encenando ou se alguém estava realmente sendo morto. Ficávamos sem dormir, não deixavam. Toda hora aparecia alguém que ficava olhando para gente sem falar nada. Teve vezes de ficarmos vários dias com luz em nossos olhos para perdermos a noção do tempo - lembra ele, que permaneceu um mês sem banho: - Tortura não é só pancada. Cheguei a ficar um mês sem banho. E só pude tomar banho e fazer a barba depois porque receberia a visita de minha mãe. Fui "orientado" a dizer que estava tudo bem. De barba feita e banho tomado até parecia que estávamos sendo bem tratados - risos.
Em meio às torturas psicológicas, o sindicalista era obrigado a ficar em cela molhada permanentemente, sem poder deitar no chão para dormir. Segundo Villani, as ameaças eram constantes. Durante governos militares, no período que esteve em liberdade, o bancário e sua família foram intimidados. Villani foi transferido de agências do Banco do Brasil por várias vezes, para que não pudesse formar grupos de mobilização de esquerda. Passou por cidades de Minas, Rio, Goiás e Ceará.
CONSTRANGIMENTO E TORTURAS
A história de José Villani Côrtes faz parte do relatório Memórias da Repressão, lançado em e-book (http://pjf.mg.gov.br/comissaod…/documentos/ebook_cmv2015.pdf) pela CMV-JF e disponibilizado gratuitamente. Por meio de pesquisa documental e relatos de ex-presos políticos — foram 37 depoimentos, além de uma coletânea de audiências de outras comissões —, pesquisadores identificaram casos de treinamentos de militares para tortura. Eles atuavam em Minas e eram levados ao Rio para aprenderem as técnicas. Em um dos cursos, uma militante chegou a servir de cobaia para tortura em frente ao filho menor.
Os relatos confirmaram sessões de espancamentos em unidades militares da cidade mineira, quase sempre feitos por agentes da repressão que atuavam em Belo Horizonte. Ao trazerem presos políticos para deporem na Justiça Militar de JF, eles colocavam em prática a tortura. Há registros de constrangimentos, como presos mantidos sem roupa. A Penitenciária de Linhares, transformada em presídio para presos políticos, chegou a proibir o uso da palavra companheiro nas conversas, sob alegação de ser um vocabulário que identificava “subversivos”.
 
 
 

Fonte: http://oglobo.globo.com/brasil/comissao-detalha-primeira-prisao-da-ditadura-16967948


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